domingo, 5 de fevereiro de 2012

A derradeira madame

Renato Meneses

A rua hoje é rebatizada de Jornalista Vitor Gonçalves Neto, mas antes, bem antes mesmo, quando eu tinha lá minha venerável adolescência, era mais conhecida como rua dos cabarés. Centralizavam-se ali os melhores bordéis da cidade: Madri, Bagdá e Casa Verde - itinerário da minha geração, que confluía de enxurro, de libido em pé, ao primaveril de bucetas que brotavam pelas janelas. As putinhas adoravam o assédio, mais pelo cheiro do dinheiro novo que pela carne virgem inexperta.

A vida ali era ardente, nua, impura, latejava debaixo dos lençóis. Madame Diracy lembrava Rosa Cabarcas, personagem cafetina do livro "Memórias de Minhas Tristes Putas", de Gabriel Garcia Marquez. Ela administrava a mais afamada casa do lugar - a boate Madri, hoje ao ponto de entulho, que resiste ao tempo e ao esquecimento. Madame sabia os segredos de atender aos caprichos sexuais os mais diversos, cobrava o preço justo e controlava o tempo de modo que o negócio fosse bom para os dois lados.

Numa última visita, escorados pela saudade, eu, Manoel Veloso, Jotônio Viana e o professor Henrique enxergamos o sol entrar porta a dentro, quase cinco da manhã de um dia qualquer da semana, cinco anos atrás. Elegantemente madame Diracy se pusera em nossa companhia até o derradeiro gole; sempre com docilidade, mesmo sem o glamour do passado. Bebemos ali a felicidade que promana desses marulhos que as boas lembranças constantemente derramam sobre nós.

Pois bem, madame Diracy foi agora sentar-se ao lado de Deus. Oxalá Deus a aproveite para consolar almas gementes de carinho.

Nenhum comentário: